Apesar das ruínas e da morte,
Onde sempre acabou cada ilusão,
A força dos meus sonhos é tão forte,
Que de tudo renasce a exaltação
E nunca as minhas mãos ficam vazias.
Se tanto me dói que as coisas passem
É porque cada instante em mim foi vivo
Na luta por um bem definitivo
Em que as coisas de amor se eternizassem.
Mais do que tudo, odeio
Tantas noites em flor da Primavera,
Transbordantes de apelos e de espera,
Mas donde nunca nada veio.
Espera-me
Nas praias que são o rosto branco das amadas mortas
Deixarei que o teu nome se perca repetido
Mas espera-me
Pois por mais longos que sejam os caminhos
Eu regresso.
É o teu rosto ainda que eu procuro
Através do terror e da distância
Para a reconstrução de um mundo puro.
Em nome da tua ausência
Construí com loucura
Uma grande casa branca
E ao longo das paredes te chorei...
O Poeta
O poeta é igual ao jardim das estátuas
Ao perfume do Verão que se perde no vento
Veio sem que os outros nunca o vissem
E as suas palavras devoraram o tempo.
Che Guevara
Contra ti se ergueu a prudência dos inteligentes e o arrojo
[dos patetas
A indecisão dos complicados e o primarismo
Daqueles que confundem revolução com desforra
De poster em poster a tua imagem paira na sociedade de
[consumo
Como o Cristo em sangue paira no alheamento ordenado das
[igrejas
Porém
Em frente do teu rosto
Medita o adolescente à noite no seu quarto
Quando procura emergir de um mundo que apodrece
Regressarei
Eu regressarei ao poema como à pátria à casa
Como à antiga infância que perdi por descuido
Para buscar obstinada a substância de tudo
E gritar de paixão sob mil luzes acesas.
Senhor
Senhor sempre te adiei
Embora sempre soubesse que me vias
Quis ver o mundo em si e não em ti
E embora nunca te negasse te apartei.
Diz-se que para que um segredo não nos devore é preciso dizê-lo em voz alta no sol de um terraço ou de um pátio.
Essa é a missão do poeta: trazer para a luz e para o exterior o medo.
(em O Sol O Muro O Mar)
Sophia de Mello Breyner Andresen
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