domingo, 25 de outubro de 2015

Eu Tenho Sol

“Quando cheguei ela disse-me:
“Que pena, hoje não há sol…” Eu olhei para ela, dos pés aos olhos e respondi a sorrir: “Não. Eu tenho sol…” Ela ficou emocionada e gaguejou ao falar: “Mas, tu és um poeta!...”
Eu não era nenhum poeta. Eles, por lá, é que não sabiam dizer uns aos outros que eram o sol de cada um.” 

António Alçada Baptista

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

O Retrato De Dorian Gray

"O artista é o criador de coisas belas.
O objectivo da arte é revelar e ocultar o artista."

"Os que encontram significacöes belas nas coisas belas são cultos. Para esses há esperança.

"O pensamento e a linguagem säo para o artista instrumentos de arte.
O vício e a virtude são para o artista matérias de arte.
Sob o ponto de vista da forma, a arte do músico é o modelo de todas as artes. Sob o ponto de vista de sentimento, é a profissäo de actor o modelo."

"A única justificacäo para uma coisa inútil é que ela seja profundamente admirada."



"O objectivo da vida é o nosso desenvolvimento pessoal. Compreender perfeitamente a nossa natureza - é para isso que estamos cá neste mundo. Hoje as pessoas temem-se a si próprias. Esqueceram o mais nobre de todos os deveres: o dever que cada um tem para consigo mesmo."


"Só os sentidos podem curar a alma, assim como só a alma pode curar os sentidos."


"Há sempre qualquer coisa de ridículo nas emoções das pessoas que deixámos de amar."


"A auto-recriminacäo é um luxo. Quando nos autocensuramos, temos a sensacäo de que mais ninguém tem o direito de nos censurar. É a confissão, e näo o sacerdote, que nos dá a absolvicäo."


"A mocidade ri sem motivo. É um dos seus principais encantos."


"Admito que considero melhor ser-se belo do que ser-se bom. Mas, por outro lado, ninguém mais do que eu está disposto a reconhecer que mais vale ser-se bom do que ser-se feio."



Oscar Wilde



domingo, 4 de outubro de 2015

O Jogador

"Näo, ele näo tem razäo! Se fui azedo e estúpido em relacäo a Paulina e a Des Grieux, ele, ele foi azedo e estúpido em relacäo aos russos. No que me respeita, näo digo nada. Aliás... aliás, de momento, näo é precisamente disso que se trata: tudo são palavras, palavras, e o que é preciso é actos! O essencial, agora, é a Suica! Amanhä.... Oh! Se eu pudesse partir amanhä.... renascer, ressuscitar! Preciso de lhes mostrar... que Paulina saiba que posso ainda ser um homem. Bastaria... aliás, agora é muito tarde, mas amanhä.... Oh! Tenho um pressentimento e näo pode ser de outro modo! Tenho agora quinz luzes de ouro e comecei com quinze florins! Se se começa com cautela... será possível que eu seja uma criancinha? Será possível que eu näo compreenda que sou um homem perdido? Sim! Bastaria, uma vez na vida ser prudente, paciente e... eis tudo! Bastaria, uma só vez ter carácter e, numa hora, podia mudar o meu destino. O essencial é o carácter. Basta que me lembre do que me aconteceu há sete meses em Roletemburgo, antes de me arruinar definitivamente. Oh! Foi um notável exemplo de resolução: tinha perdido tudo, tudo... Saio do casino, olho... um florim repousava ainda na algibeira do meu colete: "Ah! Ainda tenho com que jantar"", disse eu, mas depois de ter andado uns cem passos, mudei de opiniäo e voltei atrás. Pus esse florim no manque (dessa vez foi no manque) e, realmente, experimenta-se uma sensação especial quando, sozinho, num pais estrangeiro, loge da pátria, dos amigos, näo sabendo o que se vai comer nesse mesmo dia, se arrisca o último florim, o último, o último! Ganhei, e, vinte minutos mais tarde, daí do casino com centro e setenta florins no bolso. é um facto! Eis o que pode por vezes significar o último florim! E se me tivesse deixado ir abaixo, se näo tivesse tudo a coragem de me decidir?... 
Amanhä, amanhä, tudo estará acabado!..."


Fiodor Dostoievski

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Desobediência Civil

“O Estado nunca confronta intencionalmente o sentimento intelectual ou moral de um homem, mas apenas o seu corpo, os seus sentidos. Ele não é dotado de génio superior ou de honestidade, apenas de mais força física. Eu não nasci para ser coagido. Quero respirar da forma que eu mesmo escolher.”


“No meu modo de ver quando sementes de carvalho e de castanheira caem lado a lado, uma delas não se retrai para dar vez à outra; pelo contrário, cada uma segue as suas próprias leis, e brotam, crescem e florescem da melhor maneira possível, até que uma por acaso acaba superando e destruindo a outra. Se uma planta não pode viver de acordo com a sua natureza, então ela morre; o mesmo acontece com um homem.”



“Vi com clareza ainda maior o Estado que habitava. Vi até que ponto podia confiar nos meus conterrâneos como bons vizinhos e amigos; e percebi que a sua amizade era apenas para os momentos de tranquilidade; senti que eles não têm grandes intenções de proceder correctamente; descobri que, tal como os chineses e malaios, eles formam uma raça diferente da minha, por causa dos seus preconceitos e superstições; constatei que eles não arriscam a si mesmos ou a sua propriedade nos seus actos de sacrifício pela humanidade; vi que, no fim das contas, eles não são tão nobres a ponto de conseguir tratar o ladrão de forma diferente do que este os trata; e que só querem salvar as suas almas, através de acções de efeito, de algumas orações e da eventual observação dos limites particularmente estreitos e inúteis de um caminho de rectidão. É possível que esteja proferindo um julgamento duro sobre os meus vizinhos, pois acredito que a maioria deles não sabe que existe na sua cidade uma instituição tal como a cadeia.”



“Mas se ponho a minha cabeça no fogo de propósito não há apelo possível a ser feito ao fogo ou ao Criador do fogo, e sou o único culpado pelas consequências. Se eu conseguisse convencer-me de que tenho algum direito a me sentir satisfeito com os homens tal como eles são, e a tratá-los de acordo com isso e não parcialmente de acordo com as minhas exigências e expectativas de como eles e eu mesmo deveríamos ser, então, como bom muçulmano e fatalista, eu teria que me esforçar para ser feliz com as coisas como elas são e proclamar que tudo se passa segundo a vontade de Deus.
E, acima de tudo, há uma diferença entre resistir a essa força e a uma outra puramente bruta ou natural: a diferença é que posso resistir a ela com alguma efectividade. Não posso esperar mudar a natureza das pedras, das árvores e dos animais, tal como Orfeu.”



“Sei que a maioria dos homens pensa de maneira diferente de mim; mas não estou nem um pouco mais satisfeito com os homens que se dedicam profissionalmente a estudar estas questões e outras parecidas. Pelo facto de se colocarem tão integralmente dentro da instituição, os homens de Estado e os legisladores nunca conseguem encará-la nua e cruamente. Eles gostam de falar sobre mudanças na sociedade, mas não têm um ponto de apoio situado fora dela. Pode ser que haja entre eles homens de certa experiência e critério e evidentemente capazes de criar sistemas engenhosos e até úteis, pelos quais lhes devemos gratidão; mas todo o seu génio e toda a sua utilidade não ultrapassam certos limites relativamente estreitos. Eles tendem a esquecer que o mundo não é governado através de decisões e conveniências.”



“Ainda não surgiu um homem dotado de génio para legislar no nosso país. Homens assim são raros na história mundial. Oradores, políticos e homens eloquentes existem aos milhares; mas ainda estamos por ouvir a voz do orador capaz de solucionar as complexas questões do dia-a-dia. Amamos a eloquência pelos seus méritos próprios, e não pela sua capacidade de pronunciar uma verdade qualquer, nem pela possibilidade de inspirar algum heroísmo. Os nossos legisladores ainda não aprenderam a distinguir o valor relativo do livre-comércio frente à liberdade, à união e à rectidão. Eles não têm génio ou talento nem para as questões relativamente simplórias dos impostos, das finanças, do comércio e da indústria, da agricultura.”



“Será que a democracia tal como a conhecemos é o último aperfeiçoamento possível em termos de construir governos? Não será possível dar um passo a mais no sentido de reconhecer e organizar os direitos do homem? Nunca haverá um Estado realmente livre e esclarecido até que ele venha a reconhecer no indivíduo um poder maior e independente - do qual a organização política deriva o seu próprio poder e a sua própria autoridade - e até que o indivíduo venha a receber um tratamento correspondente. Fico imaginando, e com prazer, um Estado que possa enfim se dar ao luxo de ser justo com todos os homens e de tratar o indivíduo respeitosamente, como um vizinho; imagino um Estado que sequer consideraria um perigo à sua tranquilidade a existência de alguns poucos homens que vivessem à parte dele, sem nele se intrometerem nem serem por ele abrangidos, e que desempenhassem todos os deveres de vizinhos e de seres humanos. Um Estado que produzisse esta espécie de fruto, e que estivesse disposto a deixá-lo cair logo que amadurecesse, abriria caminho para um Estado ainda mais perfeito e glorioso; já fiquei a imaginar um Estado desses, mas nunca o encontrei em qualquer lugar.”


Henry David Thoreau