domingo, 1 de dezembro de 2013

A Reader Lives A Thousand Lives

"A reader lives a thousand lives before he dies. The man who never reads lives only one. The singers of the forest had no books. No ink, no parchment, no written language. Instead they had the trees. And the weirwoods above all. When they died, they went into the wood, into leaf and limb and root, and the trees remembered. All their songs and spells, their histories and prayers, everything they knewabout his world. Maesters will tell you that the weirwoods are sacred to the old gods. The singers believe they are the old gods. When singers die they become part of that godhood."


George R. R. Martin

sábado, 30 de novembro de 2013

"Sabemos hoje que não há ilhas, e que são vãs as fronteiras. Sabemos que, num mundo em constante aceleração, quando o Atlântico se atravessa em menos de um dia ou Moscovo contacta com Washington em poucas horas, estamos obrigados à solidariedade ou à cumplicidade, segundo os casos. O pão fabricado na Europa vende-se em Buenos Aires, e as máquinas que trabalham na Sibéria foram fabricadas em Detroit. Hoje, a tragédia é coletiva. Sabemos pois todos, sem sombra de dúvida, que a nova ordem que buscamos não pode ser somente nacional, ou sequer continental, e muito menos ocidental ou oriental. Ela só pode ser universal."


Albert Camus

domingo, 24 de novembro de 2013

Hoje Deitei-me Ao Lado Da Minha Solidão

"Hoje deitei-me ao lado da minha solidão.
O seu corpo perfeito, linha a linha,
derramava-se no meu, e eu sentia
nele o pulsar do próprio coração.

Moreno, era a forma das pedras e das luas.
Dentro de mim alguma coisa ardia:
a brancura das palavras maduras
ou o medo de perder quem me perdia.

Hoje deitei-me ao lado da minha solidão
e longamente bebi os horizontes.
E longamente fiquei até sentir
o meu sangue jorrar nas próprias fontes."


Eugénio de Andrade

quarta-feira, 20 de novembro de 2013


"What happened between us – at any rate as far as I go – is that you touched me, touched my life, that is, at the one point where I am still alive".

 

Henry Miller

sábado, 16 de novembro de 2013

"I don't like the love you have for your god: it is an assertion of your own will. I don't like the love you have for me: it is the same."


D.H. Lawrence

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Sol de Inverno

"Sabe deus que eu quis
Contigo ser feliz
Viver ao sol do teu olhar,
Mais terno.
Morto o teu desejo
Vivo o meu desejo
Primavera em flor
Ao sol de inverno
Sonhos que sonhei
Onde estão
Horas que vivi
Quem as tem
De que serve ter coração
E não ter o amor de ninguém.
Beijos que te dei
Onde estão
A quem foste dar
O que é meu
Vale mais não ter coração
Do que ter e não ter, como eu.
Eu em troca de nada
Dei tudo na vida
Bandeira vencida
Rasgada no chão,
Sou a data esquecida
A coisa perdida
Que vai a leilão.
Sonhos que sonhei
Onde estão
Horas que vivi
Quem as tem
De que serve ter coração
E não ter o amor de ninguém.
Vivo de saudades, amor
A vida perdeu fulgor,
Como o sol de inverno
Não tenho calor."


Jerónimo Bragança

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Flor Sem Tempo

"Na mesma rua
Na mesma cor
Passava alegre
Sorria amor
Amor nos olhos
Cabelo ao vento
Gestos de prata
De flor sem tempo
É dela o mundo
É a certeza de viver

Canta o sol
Que tens na alma
És a flor de ser feliz
Olha o mar
De tarde calma
Ouve o que ele diz (2x)

Foi como o vento
Soprou um dia
Passava alegre
Alguém a via
É nossa a vida
É a certeza de te ver

Canta o sol
Que tens na alma
És a flor de ser feliz
Olha o mar
De tarde calma
Ouve o que ele diz (4x)"



Paulo de Carvalho

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

El Dia Que Me Quieras

"Acaricia mi ensueño
El suave murmullo
De tu suspirar.
Como ríe la vida
Si tus ojos negros
Me quieren mirar.
Y si es mío el amparo
De tu risa leve
Que es como un cantar,
Ella aquieta mi herida,
Todo, todo se olvida.

El día que me quieras
La rosa que engalana,
Se vestirá de fiesta
Con su mejor color.
Y al viento las campanas
Dirán que ya eres mía,
Y locas las fontanas
Se contarán su amor.

La noche que me quieras
Desde el azul del cielo,
Las estrellas celosas
Nos mirarán pasar.
Y un rayo misterioso
Hará nido en tu pelo,
Luciernagas curiosas que verán
Que eres mi consuelo.

El día que me quieras
No habrá más que armonía.
Será clara la aurora
Y alegre el manantial.
Traerá quieta la brisa
Rumor de melodía.
Y nos darán las fuentes
Su canto de cristal.

El día que me quieras
Endulzará sus cuerdas
El pájaro cantor.
Florecerá la vida
No existirá el dolor."




Carlos Gardel

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

As Vitrines

"Eu te vejo sumir por aí
Te avisei que a cidade era um vão
- Dá tua mão
- Olha pra mim
- Não faz assim
- Não vai lá não

Os letreiros a te colorir
Embaraçam a minha visão
Eu te vi suspirar de aflição
E sair da sessão, frouxa de rir

Já te vejo brincando, gostando de ser
Tua sombra a se multiplicar
Nos teus olhos também posso ver
As vitrines te vendo passar

Na galeria, cada clarão
É como um dia depois de outro dia
Abrindo um salão
Passas em exposição
Passas sem ver teu vigia
Catando a poesia
Que entornas no chão"


Chico Buarque

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Adeus

"Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mão à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
e eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que o teu corpo era um aquário,
no tempo em que os meus olhos
eram peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...,
já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus."


Eugénio de Andrade

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Um Desejo De Nada

"Fui onze vezes ao deserto do Sahara. Nos últimos anos, tenho ido sempre, pelo
menos uma vez por ano, assim como outros vão a Fátima ou outros a Paris. A devoção
tornou-se assim uma espécie de obsessão, aos olhos dos amigos ou dos estranhos:
perguntam-me frequentemente o que é que eu lá procuro e o que é que encontro. E a esta
pergunta, tão simples e tão vasta, costumo dar uma das minhas respostas preferidas: não
procuro nada e não se encontra o que se procura, mas o que se encontra. De vez em
quando, forçado a explicar-me melhor, falo da paisagem inicial e despojada do deserto, ou
da viagem interior que ali acompanha a outra viagem. Mas não passam de lugares-comuns,
próprios de quem não sabe a resposta ou, no subconsciente, não deseja partilhá-la com os
outros.
O que é que se procura num deserto? Por definição, nada. O deserto é a ausência de
tudo. É esse, afinal, o segredo desta estranha atracção: a ausência de tudo equivale ao
princípio de tudo, como uma página em branco. Por isso, as minhas recordações mais
marcantes do Sahara estão ligadas sempre a coisas incrivelmente simples: um copo de água
gelado, oferecido por um médico da Frente Polisário, num hospital de campanha do Sahara
Ocidental, com uma temperatura de 60º centígrados lá fora; uma noite deitado numa duna
de areia, no extremo sul argelino, entre um silêncio absoluto, a ver passar os satélites de
telecomunicações no céu, a olho nu; ou outra fantástica noite no sul de Marrocos, numa
tenda berbere de um abrigo para viajantes, debaixo de uma tempestade de areia
desencadeada subitamente, dormindo e acordando ao som do vento rugindo em fúria
descontrolada e coberto de areia da cabeça aos pés.
Não se encontra o que se procura, mas o que se encontra. Encontrei uma vez uma
víbora preta, debaixo de um tanque marroquino destruído na guerra com a Polisário;
encontrei um escorpião branco da areia, sinistro e pequeno assassino, a um metro das
minhas costas, quando me preparava para dormir num velho forte abandonado; encontrei
um antílope que corria ao longe, no meio da extensão sem fim das dunas do Grande Erg
Ocidental, e uma noite encontrei um pássaro enorme, que parecia um faisão e que, saído de
parte alguma, se veio esborrachar contra os faróis do jipe, oferecendo-se em inesperado
jantar. E encontrei gente que só ali se encontra - o Ahmed, o Sidi, o Mohamed «Pás de
Problème», o Ali e outros, europeus como eu e, tal como eu, à procura de coisa alguma. E
encontrei duas mulheres berberes com um burro, num poço, no meio do nada. A mais
nova era muito bonita e tinha uma criança ao colo. Dei-lhe os habituais presentes e
perguntei-lhe por gestos se a podia fotografar.
Ela fez um sorriso de pura sedução, abriu a roupa, tirou o peito para fora e começou
a fingir que dava de mamar à criança, que não tinha fome nenhuma: fiz-lhe uma verdadeira
fotografia erótica.
Mas o deserto raras vezes é aquela coisa sempre poética e deslumbrante do filme do
Bertolucci, com dunas cor-de-rosa e vermelhas ao pôr-do-sol. A maior parte das vezes,
longe das caravanas de camelos para os turistas da «photo opportunity», é um terreno
áspero, duro, feito de calhaus e terra escurecida, sem árvores, sem dunas, sem pássaros,
sem água nem rios, sem nenhum sinal de vida - como uma Lua debaixo do Sol. A
progressão lenta e massacrante, a paisagem é monótona e triste, as jornadas são esgotantes
e vazias de acontecimentos: tudo nos faz desesperar por um acampamento ao fim do dia,
dois litros de água para limpar o pó da cara e da cabeça, uma lareira, uma sopa quente, uma
conversa que engane as saudades de casa.
Porquê, então, este desejo veemente de deserto, esta vontade de nada, de vazio
absoluto, esta viagem ao mais fundo de nós mesmos - lá, onde não resta sombra de
arrogância, do orgulho, e da sabedoria que julgamos ter? Talvez (vou enfim arriscar uma
resposta...) porque ali estamos a sós com o Absoluto, ali, se os Deuses existem, é o mais
próximo deles que podemos estar, porque ali reside, mesmo que jamais o decifremos, a
chave para o eterno enigma da Criação. É ali que começa a vida, é o nosso útero, o
princípio de todas as coisas. Só então ficamos a saber que tudo o resto são circunstâncias."


Miguel Sousa Tavares

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Eternity In An Hour

"To see a World in a Grain of Sand
And a Heaven in a Wild Flower,
Hold Infinity in the palm of your hand
And Eternity in an hour.

A Robin Redbreast in a Cage
Puts all Heaven in a Rage.
A dove house fill’d with doves and pigeons
Shudders Hell thro’ all its regions.
A Dog starv’d at his Master’s Gate
Predicts the ruin of the State.
A Horse misus’d upon the Road
Calls to Heaven for Human blood.
Each outcry of the hunted Hare
A fiber from the Brain does tear.

He who shall train the Horse to War
Shall never pass the Polar Bar.
The Beggar’s Dog and Widow’s Cat,
Feed them and thou wilt grow fat.
The Gnat that sings his Summer song
Poison gets from Slander’s tongue.
The poison of the Snake and Newt
Is the sweat of Envy’s Foot.

A truth that’s told with bad intent
Beats all the Lies you can invent.
It is right it should be so;
Man was made for Joy and Woe;
And when this we rightly know
Thro’ the World we safely go.

Every Night and every Morn
Some to Misery are Born.
Every Morn and every Night
Some are Born to sweet delight.
Some are Born to sweet delight,
Some are Born to Endless Night."


William Blake

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Sê Rei De Ti Próprio

"Não tenhas nada nas mãos
Nem uma memória na alma,
Que quando te puserem
Nas mãos o óbolo último,
Ao abrirem-te as mãos
Nada te cairá.
Que trono te querem dar
Que Átropos to não tire?
Que louros que não fanem
Nos arbítrios de Minos?
Que horas que te não tornem
Da estatura da sombra
Que serás quando fores
Na noite e ao fim da estrada.
Colhe as flores mas larga-as,
Das mãos mal as olhaste.
Senta-te ao sol. Abdica
E sê rei de ti próprio."


Ricardo Reis

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Ítaca

"Quando partires de regresso a Ítaca,
deves orar por uma viagem longa,
plena de aventuras e de experiências.
Ciclopes, Lestregónios, e mais monstros,
um Poseidon irado – não os temas,
jamais encontrarás tais coisas no caminho,
se o teu pensar for puro, e se um sentir sublime
teu corpo toca e o espírito te habita.
Ciclopes, Lestregónios, e outros monstros,
Poseidon em fúria – nunca encontrarás,
se não é na tua alma que os transportes,
ou ela os não erguer perante ti.

Deves orar por uma viagem longa.
Que sejam muitas as manhãs de Verão,
quando, com que prazer, com que deleite,
entrares em portos jamais antes vistos!
Em colónias fenícias deverás deter-te
para comprar mercadorias raras:
coral e madrepérola, âmbar e marfim,
e perfumes subtis de toda a espécie:
compra desses perfumes quanto possas.
E vai ver as cidades do Egipto,
para aprenderes com os que sabem muito.

Terás sempre Ítaca no teu espírito,
que lá chegar é o teu destino último.
Mas não te apresses nunca na viagem.
É melhor que ela dure muitos anos,
que sejas velho já ao ancorar na ilha,
rico do que foi teu pelo caminho,
e sem esperar que Ítaca te dê riquezas.

Ítaca deu-te essa viagem esplêndida.
Sem Ítaca, não terias partido.
Mas Ítaca não tem mais nada para dar-te.

Por pobre que a descubras, Ítaca não te traiu.
Sábio como és agora, senhor de tanta experiência,
terás compreendido o sentido de Ítaca."


Konstandinos Kavafis

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

E Ela Dança

"Às vezes, quando a casa estava adormecida à noite, ela dançava pela sala fora, tal qual
como escreveu («bailarina fui mas nunca bailei»). Às vezes, convencia-se que havia ladrões
em casa e acordava-me do sono para espreitar debaixo da minha cama, e às vezes havia
ladrões a sério, com cara de assassinos e crachá da PIDE, que chegavam pela alvorada do
dia, mas verdadeiramente ela não tinha medo dos ladrões nem dos esbirros do «velho
abutre»: só tinha medo de fantasmas.
Naquela casa, aprendemos cedo duas coisas sobre a poesia. A primeira, era que os
poetas eram todos uns personagens extraordinários, que apareciam a horas imprevistas e
diziam coisas surpreendentes. De todos, o mais fantástico era o Ruy Cinatti, que nos
convenceu que era o nosso irmão mais velho, regressado de outra vida em Timor e que
esteve à beira de conseguir transformar-nos em guerrilheiros contra a precária disciplina
familiar.
Vinham e iam constantemente poetas tristes ou alegres, cerimoniosos ou
tumultuosos e até um, o Ruy Belo, que me levava à Luz ver o Benfica e jogava futebol
comigo no jardim.
A segunda coisa sobre poesia que aprendemos é que a poesia é para ser dita e para
ser escutada: é oral, não cabe nos livros. Eu não sabia nada de aritmética, nem de botânica
ou de mineralogia mas, aos dez anos, já tinha aprendido, de ouvido, a recitar sonetos de
Shakespeare em inglês do século XVI, ou o «Erl Kõnig», do Goethe, em alemão. E
quando ela trouxe para casa um disco com poemas do Lorca recitados em espanhol pela
Germaine Montero, ouvi-o tantas, tantas vezes, que fiquei a saber de cor o imenso «Llanto
por Ignácio Sanchez Mejia». À mesa, entre a sopa e  o prato principal, dentro de um
automóvel a caminho do sul ou na missa das 7 da tarde na Igreja da Graça, de repente ela
começava a recitar poesia com a mesma naturalidade com que os outros falavam de coisas
triviais ou respondiam em latim ao «orate, frates!» do padre. Às vezes, naquele terror que as
crianças têm que os pais pareçam estranhos em público, apetecia enfiarmo-nos pelo chão
abaixo quando, à mesa de um café no Chiado, ou numa loja, em plenas compras de Natal,
ou caminhando connosco pela rua de mãos dadas (por  vezes, distraída, perdia-nos), ela
começava a recitar poesia em voz alta, como se o mundo inteiro à sua volta lhe fosse de
repente absolutamente alheio. Um dia, no eléctrico  a caminho de casa, ela fixou-se num
letreiro, por cima de uma janela, que rezava assim: «se alguma janela o incomoda, peça ao
condutor que a feche». E então, no meio daquele silêncio envergonhado dos passageiros,
que fingem não ver e não se ouvir uns aos outros, ecoou a voz dela, clara e silabada,
recitando um poema: «se alguma janela o incomoda, peça ao condutor que a feche e que
nunca mais a abra.»
A mim, todavia, ensinou-me o mais importante de tudo: ensinou-me a olhar.
Ensinou-me a olhar para as coisas e para as pessoas, ensinou-me a olhar para o tempo, para a noite, para as manhãs. Ensinou-me a abrir os olhos no mar, debaixo de água, para
perceber a consistência das rochas, das algas, da areia, de cada gota de água. Ensinou-me a
olhar longamente, eternamente, cada pedra da Piazza Navone, em Roma, sentados num
café, escutando o silêncio da passagem do tempo. Fez-me mergulhador e viajante, ensinou-me que só o olhar não mente e que todo o real é verdadeiro. Quem ler com atenção, verá que esta é a moral que atravessa toda a sua escrita.
A outra lição decisiva foi a da liberdade. Não só a liberdade física, não só a liberdade
na luta pela justiça, «num sítio tão imperfeito como o mundo», mas ainda a liberdade na
busca de um caminho próprio onde as coisas tenham uma ética e façam sentido e, acima de tudo, a liberdade da nossa própria solidão. Prémios, condecorações, homenagens, são-lhe de tal forma alheios que ninguém mais o entende. Dêem-lhe, sim, silêncio e tempo, manhãs como a «manhã da praça de Lagos» e noites com «jardins invadidos de luar». E ela dançará.
Ao longo das sílabas dos poemas, como dançava na minha infância."


Miguel Sousa Tavares

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

"O sedentário está perdido porque tem um destino que não encontra. O nómada não procura, encontra-se no próprio acto de viajar. É essa a diferença entre o turista e o viajante, é esse o sentido de Ítaca, é essa a riqueza de cada viagem."

Gonçalo Cadilhe em Angústia de Estar Fora em 1Km de Cada Vez

terça-feira, 23 de julho de 2013

"Não é a verdade que é sagrada, mas a procura da nossa própria verdade! Haverá acto mais sagrado do que a auto-inquirição? A minha obra filosófica, dizem alguns, está construída sobre areia: os meus pontos de vista mudam constantemente. Mas uma das minhas máximas é: transforma-te em quem és. E como descobrir quem e o que se é sem a verdade?"

"Conheci muitas pessoas que não gostam de si mesmas e tentam superar isso persuadindo primeiro os outros a pensarem bem delas. Feito isso, começam a pensar bem de si próprias. Mas essa é uma falsa solução, trata-se de uma submissão à autoridade dos outros. A sua tarefa é aceitar-se a si próprio, e não encontrar formas de obter a minha aceitação."

"Olhe mais profundamente e verá que o desejo sexual também é um desejo de domínio sobre todos os outros. O "amante" não é alguém que ama: pelo contrário, almeja a posse exclusiva da amada. O seu desejo é excluir o mundo inteiro de um certo bem precioso. É tão egoísta como o dragão que guarda o tesouro! Não ama o mundo; pelo contrário, é totalmente indiferente às outras criaturas vivas."

"Primeiro tenho de o ensinar a andar, e o primeiro passo para aprender a andar é entender que quem não obedece a si mesmo é regido pelos outros. É mais fácil, muito mais fácil, obedecer a outro do que comandar-se a si mesmo."

"Agora precisa de aprender a reconhecer a sua vida e a ter coragem de dizer "Foi assim que escolhi!" O espírito de um homem constrói-se a partir das suas escolhas."

"Nos últimos dias, apercebi-me de que a cura filosófica consiste em aprender a escutar a sua própria voz interior."

"Chama ferida à visão clara? Veja o que aprendeu Josef: que o tempo não se pode parar, que a vontade não tem poder para querer no passado. Apenas os afortunados captam tais verdades."

"Haverá uma receita para enrijecer a determinação? Chegou à percepção de que somos regidos, não pelo desejo divino, mas pelo desejo do tempo. Percebe que a vontade é importante contra o "assim aconteceu". Terei capacidade de lhe ensinar a transformar o "assim aconteceu" no "assim o quis"?

"Uma perspectiva cósmica atenua sempre uma tragédia. Se subirmos bastante, atingiremos uma altura da qual a tragédia deixará de parecer trágica."

"Muitas vezes, quando fico acordado de noite, com medo de morrer, recito para mim a máxima de Lucrécio: "onde está a morte não estou eu, onde estou eu não está a morte". Eis uma verdade com uma racionalidade suprema e irrefutável. Porém, quando estou verdadeiramente assustado, ela nunca funciona, nunca acalma os meus temores. Essa é a falha da filosofia. Ensinar filosofia e aplicá-la na vida real, são empreendimentos bastante diferentes."

"Amamos mais o desejo do que o ser desejado."

"Ambos acreditamos que Deus está morto. Ele conclui que uma vida sem Deus não faz sentido e é tamanho o seu tormento que o seduz a ideia do suicídio: por causa das dúvidas traz sempre consigo um frasco de veneno pendurado ao pescoço. Para mim, porém, a ausência de Deus é motivo de regozijo. Eu exulto a minha liberdade. Digo a mim mesmo: "O que haveria para criar se os Deuses existissem?" Percebeu o que quero dizer? A mesma situação, os mesmos dados dos sentidos... mas duas realidades!"

"O tempo não pode ser interrompido. É esse o nosso fardo mais pesado. O nosso maior desafio é viver, a despeito desse fardo."

"...conhece a expressão de Montaigne sobre a morte em que nos aconselha a viver num quarto com vista para um cemitério? Aclara a nossa mente - alega - e mantém as prioridades da vida em perspectiva."

"O paradoxo, o seu paradoxo, é que você se dedica à busca da verdade, mas não consegue suportar a visão da sua descoberta."

"Viva enquanto viver! A morte perde o seu terror quando se morre depois de consumida a própria vida! Caso não se viva no tempo certo, então nunca se conseguirá morrer no momento certo."

"O tiquetaque do seu coração marca o tempo que se esvai. A avidez do tempo é eterna. O tempo devora e devora, sem dar nada em troca. Que terrível ouvi-lo dizer que viveu a vida que lhe foi atribuída! E que terrível encarar a morte sem nunca ter reivindicado a liberdade, mesmo em todo o seu perigo."

"Para se relacionar plenamente com outro, precisa primeiro de se relacionar consigo mesmo. Se não conseguimos abraçar a nossa própria solidão, usaremos simplesmente o outro como um escudo contra o isolamento. Só quando se consegue viver como a águia, sem absolutamente qualquer público, se consegue voltar para outra pessoa com amor; só então se é capaz de preocupar com o engrandecimento do outro ser humano."


Irvin D. Yalom em Quando Nietzsche Chorou

domingo, 21 de julho de 2013

"Devemos sempre optar pela alternativa que toque o nosso coração, escolher o que gostaríamos realmente de fazer, independentemente das consequências."
"A verdade acontece somente aos individuos.
Os percursos conhecidos nunca são trilhados por seres humanos como Sócrates, mas apenas pelas massas, pelas multidões (...)Essas pessoas nunca saem da autoestrada, e mantêm-se juntas porque isso lhes traz uma certa satisfação, um certo consolo... O consolo de não se sentirem sós..."
(...)
O que importa ao leitor é tomar consciência que a verdade sempre veio ao encontro dos individuos, e não os agregados de seres humanos. A verdade não é um fenómeno colectivo que aconteça às multidões. Ela acontece sempre aos individuos, tal como o amor.
No amor intervêm duas pessoas, enquanto que a verdade acontece somente a uma única. A verdade é um acontecimento vivido na mais absoluta solidão. A verdade acontece apenas aos seres rebeldes. Um rebelde, por natureza, vive perigosamente."


Osho em Viver Perigosamente

quinta-feira, 18 de julho de 2013

The Light That Brings The Dawn

"Night gathers, and now my watch begins. It shall not end until my death. I shall take no wife, hold no lands, father no children. I shall wear no crowns and win no glory. I shall live and die at my post. I am the sword in the darkness. I am the watcher on the walls. I am the fire that burns against the cold, the light that brings the dawn, the horn that wakes the sleepers, the shield that guards the realms of men. I pledge my life and honor to the Night's Watch, for this night and all nights to come."

George R. R. Martin em A Song Of Ice And Fire

quarta-feira, 26 de junho de 2013

"Procuro despir-me do que aprendi
Procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram,
E raspar a tinta com que me pintaram os sentidos,
Desencaixotar as minhas emoções verdadeiras,
Desembrulhar-me e ser eu..."


Alberto Caeiro

sábado, 27 de abril de 2013


“If you imagine the 4,500-bilion-odd years of Earth's history compressed into a normal earthly day, then life begins very early, about 4 A.M., with the rise of the first simple, single-celled organisms, but then advances no further for the next sixteen hours. Not until almost 8:30 in the evening, with the day five-sixths over, has Earth anything to show the universe but a restless skin of microbes. Then, finally, the first sea plants appear, followed twenty minutes later by the first jellyfish and the enigmatic Ediacaran fauna first seen by Reginald Sprigg in Australia. At 9:04 P.M. trilobites swim onto the scene, followed more or less immediately by the shapely creatures of the Burgess Shale. Just before 10 P.M. plants begin to pop up on the land. Soon after, with less than two hours left in the day, the first land creatures follow. 

Thanks to ten minutes or so of balmy weather, by 10:24 the Earth is covered in the great carboniferous forests whose residues give us all our coal, and the first winged insects are evident. Dinosaurs plod onto the scene just before 11 P.M. and hold sway for about three-quarters of an hour. At twenty-one minutes to midnight they vanish and the age of mammals begins. Humans emerge one minute and seventeen seconds before midnight. The whole of our recorded history, on this scale, would be no more than a few seconds, a single human lifetime barely an instant. Throughout this greatly speeded-up day continents slide about and bang together at a clip that seems positively reckless. Mountains rise and melt away, ocean basins come and go, ice sheets advance and withdraw. And throughout the whole, about three times every minute, somewhere on the planet there is a flash-bulb pop of light marking the impact of a Manson-sized meteor or one even larger. It's a wonder that anything at all can survive in such a pummeled and unsettled environment. In fact, not many things do for long.” 


Bill Bryson em A Short History of Nearly Everything

"- Velho homem. Li os teus livros, fizeram-me bem, conheci muita coisa que antes não poderia imaginar, ensinaste-me a ver as gentes e o mundo. Mas tenho vontade de conhecer as coisas, quero viajar, ver o mundo que está nos teus livros com os meus próprios olhos.
(…)
- (…) Mas vai, faz o que o teu coração pede, vai ver o mundo. Um dia hás-de de te fartar dele, e hás-de voltar, eu sei.
- Fartar-me do mundo? Com tanta coisa a aprender de novo, a receber e a comunicar?
- Vais ver, meu filho, que o mundo fora da ilha por vezes é um mundo de muitas ilhas e de pessoas tristes onde para ti que és um homem do mar, será difícil de viver.  Lembrar-te-ás com intensa nostalgia da pesca eu fazias, esta casa de tambores, a tua casa de tambores, as gentes da ilhas estão irremediavelmente pegadas às coisas mais insignificantes, a um mundo que construíram na infância, mas que já não é o mesmo mundo."

Vasco Martins excerto de A Verdadeira Dimensão

terça-feira, 23 de abril de 2013

I Went To The Woods

"I went to the woods because I wished to live deliberately, to front only the essential facts of life, and see if I could not learn what it had to teach, and not, when I came to die, discover that I had not lived. I did not wish to live what was not life, living is so dear; nor did I wish to practise resignation, unless it was quite necessary. I wanted to live deep and suck out all the marrow of life, to live so sturdily and Spartan- like as to put to rout all that was not life, to cut a broad swath and shave close, to drive life into a corner, and reduce it to its lowest terms, and, if it proved to be mean, why then to get the whole and genuine meanness of it, and publish its meanness to the world; or if it were sublime, to know it by experience, and be able to give a true account of it in my next excursion. For most men, it appears to me, are in a strange uncertainty about it, whether it is of the devil or of God, and have somewhat hastily concluded that it is the chief end of man here to "glorify God and enjoy him forever."

Henry David Thoreau em Walden or Life in the Woods

sábado, 20 de abril de 2013

"Two years he walks the earth, no phone, no pool, no pets, no cigarretes, ultimate freedom. An extremist. An aesthetic voyager whose home is the road. Escaped from Atlanta. Thou shalt not return, 'cause the west is the best and now after two rambling years comes the final and the greatest adventure, the climatic battle to kill the false being within and victoriously conclude the spiritual revolution. Ten days and nights of freight trains and hitchhiking bring him to great white north. No longer to be poisoned by civilization he flees, and walks alone upon the land to become lost in the wild. Alexander Supertramp May 1992"

Christopher McCandless in Jon Krakauer's book Into The Wild
"Rather than love, than money, than fame, give me truth. I sat at a table where were rich food and wine in abundance, an obsequious attendance, but sincerity and truth were not; and I went away hungry from the inhospitable board. The hospitality was as cold as ices."

Henry David Thoreau (Walden or Life In The Woods)

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

"Aquele que vê o espantoso esplendor do mundo é logicamente levado a ver o espantoso sofrimento do mundo."


Sophia de Mello Breyner Andresen (em Arte Poética III)

Arte Poética II


"A poesia não me pede propriamente uma especialização pois a sua arte é uma arte do ser. Também não é tempo ou trabalho o que a poesia me pede. Nem me pede uma ciência nem uma estética nem uma teoria. Pede-me antes a inteireza do meu ser, uma consciência mais funda do que a minha inteligência, uma fidelidade mais pura do que aquela que eu posso controlar. Pede-me uma intransigência sem lacuna. Pede-me que arranque da minha vida que se quebra, gasta, corrompe e dilui uma túnica sem costura. Pede-me que viva atenta como uma antena, pede-me que viva sempre, que nunca me esqueça. Pede-me uma obstinação sem tréguas, densa e compacta.

Pois a poesia é a minha explicação com o universo, a minha convivência com as coisas, a minha paiticipação no real, o meu encontro com as vozes e as imagens. Por isso o poema não fala de uma vida ideal mas sim de uma vida concreta: ângulo da janela, ressonância das ruas, das cidades e dos quartos, sombra dos muros, aparição dos rostos, silêncio, distância e brilho das estrelas, respiração da noite, perfume da tília e do orégão.

É esta relação com o universo que define o poema como poema, como obra de criação poética. Quando há apenas relação com uma matéria há apenas artesanato.

É o artesanato que pede especialização, ciência, trabalho, tempo e uma estética. Todo o poeta, todo o artista é artesão de uma linguagem. Mas o artesanato das artes poéticas não nasce de si mesmo, isto é, da relação com uma matéria, como nas artes artesanais. O artesanato das artes poéticas nasce da própria poesia a qual está consubstancialmente unido. Se um poeta diz «obscuro», «amplo», «barco», «pedra» é porque estas palavras nomeiam a sua visão do mundo, a sua ligação com as coisas. Não foram palavras escolhidas esteticamente pela sua beleza, foram escolhidas pela sua realidade, pela sua necessidade, pelo seu poder poético de estabelecer uma aliança. E é da obstinação sem tréguas que a poesia exige que nasce o «obstinado rigor» do poema. O verso é denso, tenso como um arco, exactamente dito, porque os dias foram densos, tensos como arcos, exactamente vividos. O equilíbrio das palavras entre si é o equilíbrio dos momentos entre si.

E no quadro sensível do poema vejo para onde vou, reconheço o meu caminho, o meu reino, a minha vida."


Sophia de Mello Breyner Andresen

Ondas

"Onde - ondas - mais belos cavalos
Do que estes ondas que vós sois
Onde mais bela curva do pescoço
Onde mais bela crina sacudida
Ou impetuoso arfar no mar imenso
Onde tão ébrio amor em vasta praia?"


Sophia de Mello Breyner Andresen

Descobrimento

"Saudavam com alvoroço as coisas
Novas
O mundo parecia criado nessa mesma
Manhã"


Sophia de Mello Breyner Andresen

O Jardim E A Casa

"Não se perdeu nenhuma coisa em mim.
Continuam as noites e os poentes
Que escorreram na casa e no jardim,
Continuam as vozes diferentes
Que intactas no meu ser estão suspensas,
Trago o terror e trago a claridade,
E através de todas as presenças
Caminho para a única unidade."


Sophia de Mello Breyner Andresen
"Mais do que tudo, odeio
Tantas noites em flor da Primavera,
Transbordantes de apelos e de espera,
Mas donde nunca nada veio."


Sophia de Mello Breyner Andresen
"Se tanto me dói que as coisas passem
É porque cada instante em mim foi vivo
Na luta por um bem definitivo
Em que as coisas de amor se eternizassem."


Sophia de Mello Breyner Andresen
"Espero sempre por ti o dia inteiro,
Quando na praia sobre, de cinza e oiro,
O nevoeiro
E há em todas as coisas o agoiro
De uma fantástica vinda."


Sophia de Mello Breyner Andresen

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Separados Fomos


"Separados fomos por cítaras e canto
E pelos longos poemas silabados
E entre nos dois deitaram-se paisagens
Que nos mantinham imóveis e distantes

Embora o fogo secreto das palavras
E a veemência do canto e das imagens
Embora a paixão das noites consteladas
E o nevoeiro tocando a nossa face

Separados fomos por citaras e canto
Como outros por prisões ou por espadas."


Sophia de Mello Breyner Andresen

Óasis


"Penetraremos no palmar
A água será clara o leite doce
O calor será leve o linho branco e fresco
O silêncio estará nu - o canto
Da flauta será nítido no liso
Da penumbra

Lavaremos nossas mãos de desencontros e poeira."


Sophia de Mello Breyner Andresen


Exílio


"Exilámos os deuses e fomos
Exilados da nossa inteireza"


Sophia de Mello Breyner Andresen


Regressarei


"Eu regrassarei ao poema como à pátria à casa
Como à antiga infância que perdi por descuido
Para buscar obstinada a substância de tudo
E gritar de paixão sob mil luzes acesas."


Sophia de Mello Breyner Andresen

Descobrimento

"Um oceano de músculos verdes

Um ídolo de muitos braços como um polvo
Caos incorruptível que irrompe
E tumulto ordenado.
Bailarino contorcido
Em redor dos navios esticados
Atravessamos fileiras de cavalos
Que sacudiam as crinas nos alísios
O mar tomou-se de repente muito novo e muito antigo
Para mostrar as praias
E um povo
De homens recém-criados ainda cor de barro
Ainda nus ainda deslumbrados."


Sophia de Mello Breyner Andresen

Antinoos

"Sob o peso nocturno dos cabelos
Ou sob a lua diruna do teu ombro
Procurei a ordem intacta do mundo
A palavra não ouvida.

Longamente sob o fogo ou sob o vidro
Procurei o teu rosto
A revelação dos deuses que não sei

Porém passaste através de mim
Como passamos através da sombra."


Sophia de Mello Breyner Andresen


"O vazio desenhava desde sempre a forma do teu rosto
Todas as coisas serviram para nos ensinar
A ardente perfeição da tua ausência."


Sophia de Mello Breyner Andresen

Em Nome


"Em nome da tua ausência
Construí com loucura uma grande casa branca
E ao longo das paredes te chorei."


Sophia de Mello Breyner Andresen

Retrato De Uma Princesa Desconhecida


"Para que ela tivesse um pescoço tão fino
Para que os seus pulsos tivessem um quebrar de caule
Para que os seus olhos fossem tão frontais e limpos
Para que a sua espinha fosse tão direita
E ela usasse a cabeça tão erguida
Com uma tão simples claridade sobre a testa
Foram necessárias sucessivas gerações de escravos
De corpo dobrado e grossas mãos pacientes
Servindo sucessivas gerações de príncipes
Ainda um pouco toscos e grosseiros
Ávidos cruéis e fraudulentos

Foi um imenso desperdiçar de gente
Para que ela fosse aquela perfeição
Solitária exilada sem destino."


Sophia de Mello Breyner Andresen