domingo, 29 de abril de 2012

Sonnet 29


"When, in disgrace with fortune and men's eyes,
I all alone beweep my outcast state
And trouble deaf heaven with my bootless cries
And look upon myself and curse my fate,

Wishing me like to one more rich in hope,
Featured like him, like him with friends possess'd,
Desiring this man's art and that man's scope,
With what I most enjoy contented least;

Yet in these thoughts myself almost despising,
Haply I think on thee, and then my state,
Like to the lark at break of day arising

From sullen earth, sings hymns at heaven's gate;
For thy sweet love remember'd such wealth brings
That then I scorn to change my state with kings."


William Shakespeare

quarta-feira, 25 de abril de 2012

"Um amigo é alguém cuja a presença se gosta, por quem se tem admiração, em cuja companhia se aprende. Luís Bernardo admirava tudo em David: a sua capacidade de tirar sempre partido de qualquer situação, o prazer com que vivia a vida e tudo o que viesse, a calma e a determinação com que encaixava os golpes do destino e lhes fazia frente, a simplicidade linear do seu código moral de conduta, a sua absoluta ausência de angústia face ao esboroar do tempo, porque ele desconhecia em absoluto a noção de tempo perdido e cada dia de vida era para ele uma dádiva, que nenhum desgosto e nenhum revés poderiam toldar.



Miguel Sousa Tavares
em "Equador"

terça-feira, 24 de abril de 2012

“No meu modo de ver quando sementes de carvalho e de castanheira caem lado a lado, uma delas não se retrai para dar vez à outra; pelo contrário, cada uma segue as suas próprias leis, e brotam, crescem e florescem da melhor maneira possível, até que uma por acaso acaba superando e destruindo a outra. Se uma planta não pode viver de acordo com a sua natureza, então ela morre; o mesmo acontece com um homem.”


Henry David Thoreau
em "Desobediência Civil"

"It is only necessary to have courage, for strength without self-confidence is useless."
 
 
Giacomo Casanova

Spoiler de Rio das Flores

“Diogo fez uma pausa profunda. Olhou-a assim, como sempre a sonhara, como sempre a tinha guardado nos seus pensamentos. Sabia agora que nada tinha sido fútil, no longo caminho que o trouxera até ali. E, portanto, não havia mais lugar para dissimulações. Podia tudo perder ou tudo ganhar, podia até não saber se tudo queria perder ou ganhar. Mas chegava ao fim uma caminhada, a travessia de um oceano, longos dias e longas noites de saudades sepultadas na cumplicidade do travesseiro. Tudo isso chegara ao fim, agora: fosse qual fosse o desfecho, nada mais continuaria suspenso para sempre. Ele falaria e ela escolheria o futuro de ambos. Suspirou fundo, tranquilo com a sua consciência: poucos homens dariam tanto a uma mulher, poucos seriam tão fiéis aos seus sentimentos.
- Não me posso casar contigo, face à lei e à Igreja porque sou casado, como sabes. Mas, em tudo o resto, serás a minha mulher.
- E porquê?
- Porquê?
- Porquê que eu serei tua mulher em tudo o resto?
- Porque te amo.
Ela distendeu-se, enfim. Abriu os braços para ele e nesse momento exacto, ele soube que por mais anos que vivesse, nunca esqueceria esse instante em que ela o chamou e se lhe entregou.
- Vem cá! Tanto tempo que lhe esperei!”


Miguel Sousa Tavares
em "Rio Das Flores"

sábado, 21 de abril de 2012

“ Os espíritos fortes que dizem que a oração não serve para coisa nenhuma, não sabem o que dizem: sei que depois de rezar a Deus me achava sempre com mais força. Mais não é preciso para reconhecer a utilidade da oração. Há quem pretenda que esse aumento de força é um efeito natural da matéria tornada mais vigorosa pela confiança que ela obteve por via da oração, e que tal acontece sem que Deus tome parte no processo. Respondo que, uma vez que se admite Deus, Deus toma parte em todas as coisas. Os que têm uma religião dispõem de muitos recursos que os incrédulos não têm. Os primeiros compreendem pouco do que se passa, mas os segundos não compreendem absolutamente nada.”


Giacomo Casanova

sexta-feira, 20 de abril de 2012

O Chão É Cama Para O Amor Urgente


"O chão é cama para o amor urgente,
amor que não espera ir para a cama.
Sobre tapete ou duro piso, a gente
compõe de corpo e corpo a húmida trama.

E para repousar do amor, vamos à cama."


Carlos Drummond de Andrade

quinta-feira, 19 de abril de 2012

“ Um homem que dorme tranquilamente na prisão, não está na prisão durante o seu doce sono, e o escravo enquanto dorme não sabe que o é, tal como os reis enquanto dormem não governam. Há-de portanto considerar aquele que o acorda como um carrasco que vem privá-lo da sua liberdade e mergulhá-lo de novo na miséria. Acrescente-se que vulgarmente o prisioneiro que dorme sonha que está em liberdade e que essa ilusão lhe faz as vezes da realidade.”


Giacomo Casanova

terça-feira, 17 de abril de 2012

The Severed Garden

"Wow I'm sick of doubt
Live in the light of certain
South
Cruel Bindings
The servants have the power
dog-men & their mean women
pulling poor blankets over
our sailors
I'm sick of dour faces
Staring at me from the T.V.
Tower. I want roses in
my garden bower, dig?
Royal babies, rubies
must now replace aborted
Strangers in the mud
These mutants, blood-meal
For the plant that's plowed
They are waiting to take us into
The Severed Garden

Do you know how pale and wanton thrillful
comes death on a strange hour
unannounced, unplanned for
like scaring over-friendly guest you've
Brought to bed
Death makes angels of us all
& gives us wings
where we once had shoulders
smooth as raven's
claws

No more money, no more fancy dress
This other kingdom seems by far the best
Until it's other jaw reveals incest
I will not go
Prefer a Feast of Friends
To the Giant Family"


Jim Morrison

domingo, 15 de abril de 2012

Ausência


"Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
                                                             
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim."


Carlos Drummond de Andrade

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Eternamente


"E escrevi o teu nome e o teu número de telefone numa página da agenda do mês de Fevereiro. E, ao escrevê-lo, sabia que era uma despedida, mas todo o mês de Março nos arrastámos na despedida, como caranguejos na maré vazia. Sem ti, lancei outras raízes, construí pátios e terraços, fontes cujo som deveria apagar todos os silêncios, plantei um pomar com cheiro a damasco, mandei fazer um banco de cal à roda de uma árvore para olhar as estrelas no céu, um caminho no meio do olival por onde o luar pousaria à noite, abóbadas de tijolo imaginadas pelo mais sábio dos arquitectos e até teias de aranha suspensas no tecto, como se vigiassem a passagem do tempo. Nada disso tu viste, nada te contei, nada é teu. Sozinhos, eu e a aranha pendurada na teia, contemplámo-nos longamente, como quem se descobre, como quem se recolhe, como quem se esconde. Foi assim que vi desfilar anos, as paredes escurecendo, um pó de tijolo pousando entre as páginas dos mesmos livros que fui lendo, repetidamente. Heatcliff e Catarina Linton destroçados outra vez pela minúcia do tempo.
Como explicar-te tudo isto se te tornou alheio, como tudo te pareceria agora estranho, como nada do que foi teu vigia o teu hipotético regresso? Ulisses não voltará a Ítaca e Penelope alguma desfará de noite a teia que te teceste.
E arranquei a página da agenda com o teu nome e o teu número de telefone. Veio a seguir Abril e depois o Verão. Vi nascer a flor, a tremocilha e das buganvílias adormecidas, vi rebentar o azul dos  jacarandás em Junho, vi noites de lua cheia em que todos os animais nocturnos se chamavam rãs, corujas e grilos, e um espesso calor sobre a devassidão da cidade. E já nada disto, juro, era teu.
E foi assim que descobri que todas as coisas continuam para sempre, como um rio que corre ininterruptamente para o mar, por mais que façam para o deter.
Sabes, quem não acredita em Deus, acredita nestas coisas, que tem como evidentes. Acredita na eternidade das pedras e não na dos sentimentos; acredita na integridade da água, do vento, das estrelas. Eu acredito na continuidade das coisas que amamos, acredito que para sempre ouviremos o som da água no rio onde tantas vezes mergulhámos a cara, para sempre passaremos pela sombra da árvore onde tantas vezes parámos, para sempre seremos a brisa que entra e passeia pela casa, para sempre deslizaremos através do silêncio das noites quietas em que tantas vezes olhámos o céu e interrogámos o seu sentido. Nisto eu acredito: na veemência destas coisas sem princípio nem fim, na verdade dos sentimentos nunca traídos.
E a tua voz ouço-o agora vinda de longe, como o som do mar imaginado dentro de um búzio. Vejo-te através da espuma quebrada na areia das praias, num mar de Setembro, com cheiro a algas e a iodo. E de novo acredito que nada do que é importante se perde verdadeiramente. Apenas nos iludimos julgando ser donos das coisas, dos instantes e dos outros. Comigo caminham todos os mortos que amei, todos os amigos que se afastaram, todos os dias felizes que se apagaram. Não perdi nada, apenas a ilusão de que tudo podia ser meu para sempre."


Miguel Sousa Tavares

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Destruição

"Os amantes se amam cruelmente
e com se amarem tanto não se vêem:
Um se beija no outro, reflectido.
Dois amantes que são? Dois inimigos.

Amantes são meninos estragados
pelo mimo de amar: e não percebem
quanto se pulverizam no enlaçar-se,
e como o que era mundo volve a nada.

Nada, ninguém. Amor, puro fantasma
que os passeia de leve, assim a cobra
se imprime na lembrança de seu trilho.

E eles quedam mordidos para sempre.
Deixaram de existir, mas o existido
continua a doer eternamente. "


Carlos Drummond de Andrade

quarta-feira, 11 de abril de 2012

“O maior alívio que pode ter um homem atormentado é sentir a esperança de em breve sair do tormento. Contempla o feliz instante em que verá o fim da sua desgraça; persuade-se de que tal instante não demorará muito a vir e seria capaz de tudo fazer para saber a hora precisa em que esse instante chegará. Mas não há ninguém que possa saber em que instante se dará um facto que depende da vontade de um outro, a menos que lho haja dito esse outro. Porém, o homem que se tornou impaciente e cujas forças se foram esgotando acaba por acreditar que é possível, por algum meio oculto, descobrir o dito momento. Deus, diz ele, tem que saber quando chegará esse momento, e Deus pode permitir que a hora desse instante me seja revelada por um sortilégio. Logo, que o curioso faz este raciocínio, não hesita em consultar a fortuna, disposto ou não a julgar infalível tudo o que esta possa dizer-lhe.”


Giacomo Casanova

terça-feira, 10 de abril de 2012

segunda-feira, 9 de abril de 2012

domingo, 8 de abril de 2012

“As pessoas em geral, e especialmente os homens, não foram ensinadas a viver a radiosa epopeia da fragilidade. Ninguém nos disse que é nessa espécie de fragilidade que está a nossa marca e a nossa grandeza e que só ela nos desvenda o fantástico universo da ternura.”


António Alçada Baptista

sábado, 7 de abril de 2012

Excerto de As Minhas Fugas Das Prisões De Veneza

“… é uma solidão que desespera; mas só se pode sabê-lo depois de se passar pela experiência. A partir de então compreendi como se enganam aqueles que atribuem ao espírito do homem uma certa força: tal força é apenas relativa e o homem que a si mesmo se estudasse com rigor encontraria em si somente debilidade. Compreendi que, embora só raramente aconteça que o homem atinja a loucura, é contudo verdade que tal coisa não é difícil. O nosso juízo é como a pólvora, que sendo embora fácil de inflamar só se inflama quando se lhe pega o fogo; ou como um copo que nunca se partirá a não ser que o partam.”


Giacomo Casanova

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Excerto de Para O David Crockett



"Quando era pequeno - muito pequeno, talvez oito ou nove anos - lembro-me de estar deitado na banheira, em casa dos meus pais, a ler um livro de quadradinhos. Era uma aventura do David Crockett, o desbravador do Kentucky e do Tenessee, que haveria de morrer na mítica batalha do Forte Álamo. Nessa história, o David Crockett era emboscado por um grupo de índios, levava com um machado na cabeça, ficava inconsciente e era levado prisioneiro para o acampamento índio. Aí, dentro de uma tenda, havia uma índia muito bonita - uma «skaw», na literatura do Far-West - que cuidava dele, dia e noite, molhando-lhe a testa com água, tratando das suas feridas e vigiando o seu coma. E, a certa altura, ela murmurava para o seu prostrado e inconsciente guerreiro: «não te deixarei morrer, David Crockett!»
Não sei porquê, esta frase e esta cena viajaram comigo para sempre, quase obsessivamente. Durante muito tempo, preservei-as à luz do seu significado mais óbvio: eu era o David Crockett, que queria correr mundo e riscos, viver aventuras e desvendar Tenessees. Iria, fatalmente, sofrer, levar pancada e ficar, por vezes, inconsciente. Mas ao meu lado haveria sempre uma índia, que vigiaria o meu sono e cuidaria das minhas feridas, que me passaria a mão pela testa quando eu estivesse adormecido e me diria: «não te deixarei morrer, David Crockett!» E, só por isso, eu sobreviveria a todos os combates. Banal, elementar.
Porém, mais tarde, comecei a compreender mais coisas sobre as emboscadas, os combates e o comportamento das índias perante os guerreiros inconscientes. Foi aí que percebi que toda a minha interpretação daquela cena estava errada: o David Crockett representava sim a minha infância, a minha crença de criança numa vida de aventuras, de descobertas, de riscos e de encontros. Mas mais, muito mais do que isso: uma espécie de pureza inicial, um excesso de sentimentos e de sensibilidade, a ingenuidade e a fé, a hipótese fantástica da felicidade para sempre. Esse era o mundo que eu tinha entrevisto nesse dia longínquo da minha infância e que me cabia tentar defender o resto da minha vida. Então, eu era antes a índia, que não podia deixar que se apagasse essa imagem e o seu sentido e que teria de repetir incontáveis vezes ao mais fundo de mim mesmo - lá onde jazia, inconsciente, o David Crockett - que não o deixaria morrer."


Miguel Sousa Tavares

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Excerto de O Livro Dos Amantes

I

"Glorifiquei-te no eterno.
Eterno dentro de mim
fora de mim perecível.
Para que desses um sentido
a uma sede indefinível.

Para que desses um nome
à  exactidão do instante
do fruto que cai na terra
sempre perpendicular
à humidade onde fica.

E o que acontece durante
na rapidez da descida
é a explicação da vida."


II

"Harmonioso vulto que em mim se dilui.
Tu és o poema
e és a origem donde ele flui.
Intuito de ter. Intuito de amor
não compreendido.
Fica assim amor. Fica assim intuito.
Prometido."


IX

"Pusemos tanto azul nessa distância
ancorada em incerta claridade
e ficamos nas paredes do vento
a escorrer para tudo o que ele invade.

Pusemos tantas flores nas horas breves
que secam folhas nas árvores dos dedos.
E ficámos cingidos nas estátuas
a morder-nos na carne dum segredo."



Natália Correia

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Paraíso


"Deixa ficar comigo a madrugada,
para que a luz do Sol me não constranja.
Numa taça de sombra estilhaçada,
deita sumo de lua e de laranja.

Arranja uma pianola, um disco, um posto,
onde eu ouça o estertor de uma gaivota...
Crepite, em derredor, o mar de Agosto...
E o outro cheiro, o teu, à minha volta!

Depois, podes partir. Só te aconselho
que acendas, para tudo ser perfeito,
à cabeceira a luz do teu joelho,
entre os lençóis o lume do teu peito...

Podes partir. De nada mais preciso
para a minha ilusão do Paraíso."


David Mourão-Ferreira

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Soneto Do Amor Difícil


"A praia abandonada recomeça
logo que o mar se vai, a desejá-lo:
é como o nosso amor, somente embalo
enquanto não é mais que uma promessa...

Mas se na praia a onda se espedaça,
há logo nostalgia duma flor
que ali devia estar para compor
a vaga em seu rumor de fim de raça.

Bruscos e doloridos, refulgimos
no silêncio de morte que nos tolhe,
como entre o mar e a praia um longo molhe
de súbito surgido à flor dos limos.

E deste amor difícil só nasceu
desencanto na curva do teu céu."


David Mourão-Ferreira

domingo, 1 de abril de 2012

As Sem Razões Do Amor



"Eu te amo porque te amo.
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.

Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.

Eu te amo porque não amo
bastante ou de mais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.

Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor. "


Carlos Drummond de Andrade

Do Sentimento Trágico Da Vida



"Não há revolta no homem
que se revolta calçado.
O que nele se revolta
é apenas um bocado
que dentro fica agarrado
à tábua da teoria.

Aquilo que nele mente
e parte em filosofia
é porventura a semente
do fruto que nele nasce
e a sede não lhe alivia.

Revolta é ter-se nascido
sem descobrir o sentido
do que nos há-de matar.

Rebeldia é o que põe
na nossa mão um punhal
para vibrar naquela morte
que nos mata devagar.

E só depois de informado
só depois de esclarecido
rebelde nu e deitado
ironia de saber
o que só então se sabe
e não se pode contar."


Natália Correia