"E lembrei-me de ti, com ternura (ou seria paixão?). A palma das tuas mãos, a pele dos teus pulsos, os dedos esguios e longos, os dentes brancos num sorriso meio tímido, meio atrevido, o teu riso, o teu humor, a tua inteligência cristalina. Pensei telefonar-te, mas estas coisas não se dizem por telefone. Guardei-te para mais tarde, para quando os teus olhos pousassem sobre mim, para quando a tua mão me limpasse o suor da testa, a tua boca limpasse vestígios de sal da minha pele.
Em vão, como vês, me esforcei por não me distrair. Para passar por ti como se passa por um episódio, por um acidente à beira da estrada, por uma ilusão de água num mar sem fim de areia. Eu queria só a solidão, o silêncio submerso dos dias vazios e sem destino, a consistência da água e a evidência das pedras. Eu queria um mundo sem ti nem ninguém mais, uma vida - tão merecida - de egoísmo e de instantes impartilháveis. Mas tu és como a anémona que segue a corrente que passa, tu és a lapa presa à rocha, o sulco de areia durante a maré vazia que indica o caminho de regresso ao mar, tu és a densidade da água dentro da qual eu me reencontro e reconstruo."
Miguel Sousa Tavares
Nenhum comentário:
Postar um comentário